terça-feira, 12 de outubro de 2010

Faz parte do meu show

Meu primo fala dormindo: levanta questões sem resposta, esclarece fatos imaginários, revela verdades incompreensíveis. Eu, quando não estou muito irritada para socá-lo até que o silêncio instaure, acordo e ouço.
Aprendi seus pesadelos: apaguei incêndios noturnos no quarto ao lado, desculpei pessoas no leito de morte, salvei gatos, pessoas, almas. Virei uma heroína na calada das noites, e meu primo, meu álibi. Inconsciente, ele me deu as coordenadas, e eu aprendi a decifrar sonhos.
De cada um que dorme ao meu lado, descubro os segredos. Parada em silêncio, meus olhos fechados, conto suas respirações. Aprendo seus batimentos cardíacos, percebo seus corpos macios. Defino seus limites com a ponta dos dedos. Reviro seus sonhos, memórias e medos.
Nenhum deles sabe o poder que têm sobre mim, embora um ou outro tenha quase descoberto sem querer. É que homens são mesmo meio bobos. E nenhum deles desconfia do meu poder feminino.
Anoto suas histórias, seus fôlegos. Teço, em voz alta, tapeçarias de segredos.
E as queimo.

Ninguém deve saber que estamos sós.
'cala e finge
mas finge sem fingimento.
nada espera que em ti já não exista:
tens sol se há sol,
ramos se ramos buscas
sorte se a sorte é dada'

e se lhes escondo a verdade, saibam. É pra nos proteger da solidão.

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