domingo, 31 de maio de 2009

Misantropia

Eu quero ficar só.

É domingo à tarde, e eu tenho essa coisa de guardar os fins de semana pra mim. Os domingos me são dias melancólicos e vazios de tudo, menos de mim. Eu acho que ganho minha profundidade aos domingos. Meu eu com eu. na verdade, eu passo a maior parte do tempo pensando em dormir e evitando isso.

acho que por isso o post

Sozinho-só, eu não consigo. Porque sozinho-só não é possível.
eu tenho meus amores. São meus amigos, são meus queridos. são pessoas que eu gosto e que às vezes não gostam de mim. são meus livros, sei lá.

é difícil me manter no meu eu aos domingos. um monte de gente decide que domingo é pra sair com as crianças e com os velhos e com as moscas e os bosques e os moços que - coitados - trabalham. mas eu não. eu me fecho na minha casa, na minha casa dentro de casa, que é a minha casca. Meus pais normalmente saem. eu me mantenho e evito até descer as escadas pra comprar pão.

mas é difícil ficar só aos domingos. tem gente correndo em círculos ao meu redor, na minha cabeça. Tem livros pra ler - uma fila que só aumenta. Tem lembranças, coisas pra ajeitar, trabalho pra fazer, coisas a programar. e eu fico meio parada, sem fazer absolutamente nada e pensando em tudo.

é difícil manter os domingos pra mim. tem sempre uma festa, uma pessoa, uma coisa. alguém me chamando e me ligando ou eu mesma procuro alguém.

Nobody
ever finds
the one.

we're all trapped
by a singular fate.

as coisas enchem e eu encho até derramar. de merda. de encheção de saco. de coisas que eu não deveria saber. de álcool. sei lá.


é tudo uma mesma coisa, na verdade.

e ninguém entende como e porque alguém quereria guardar os domingos, quando a semana inteira é para um trabalho chato. Então precisam de um fim de semana mais chato ainda, limpando bebês babões, paparicando senhoras, ligando uns pros outros e bebendo muito, comendo muito, fodendo muito, cheirando odores sem fim e absorvendo tudo sem nenhum espaço pra absorção própria.

eu guardo meus fins de semana, e em particular meus domingos. mas poderia guardar as terças e quartas. as quintas e sextas. as cestas. o dia não importa, o que importa é o tempo pra levantar a cabeça e respirar ar puro. para só então voltar a mergulhar nessa onda magnífica, quase um tsunami, meio formigueiro-vespeiro-colméia de marimbondo, de merda.

Mas é impossível ser só, aos domingos. Porque o sol brilha e o pôr do sol é magnífico e há em mim uma certa culpa em abandonar o mundo, como se tivesse puxado o sinal do ônibus e descido no lugar errado só pra não ter que agüentar o velho bêbado e fedorento que empesteou o ônibus, ou porque entraram pessoas suspeitas e o preconceito me disse MEDO! MEDO! MEDO!, como um sinal de alerta.

a culpa tremenda do preconceito. o ônibus alarmante. A ambulância que passa gritando 120 quilômetros mais rápido do que meus olhos, que estão fixos grudados em mim.

há um certo despreparo, quase que despropósito, em nós existindo.


eu tenho medo, mônica. Eu tenho medo de que a gente só exista pra morrer e fim. Tenho medo dessas pessoas-zumbis, que só comem e cagam. Tenho medo de seres golfinhos petulantes que porventura abram as portas do armário na penumbra e passeiem pela casa apesar de seu medo de serem pegos. Eu não gosto de golfinhos. Eu não gosto de abacates, quando não estão na minha geladeira. Eu não gosto de batata palha e eu não acho que viver seja saudável. Então pra quê forçar a barra?

petulantes. porventura. portas, paredes, painéis pantográficos, paus pedras peões. penumbra.

eu tinha medo da mula sem cabeça, quando era pequena. Assim, até os 13 anos.

e pensar que tem gente que diz que não gosta de concreto. De Neoconcreto, de arte vazia e despreparada. Que tem gente que só gosta da coisa se for trabalhada em 46 estrofes medidas em versos alexandrinos de rima breve. Que só gosta das gentes se forem claros. Que só transa no escuro. que prefere deixar os domingos de lado e ir se doar pro mundo, porque é só nos domingos que se doam e nunca se sentem felizes. e sentem-se sempre sobrando pelas bordas.

e pensar que tem gente que queima a lingua nas bordas porque acredita que esfria primeiro, quando o certo é fazer uma gororoba mistrando tudo, que esfria mais rápido.

e pensar que microondas às vezes falha e deixa as coisas congeladas BEM NO MEIO. onde precisam ser cêntricas. E pensar em dispersão.

Se disponha, meu bem. se disponha sem se indispor. abra os braços bem largos e grite PORRA EU QUERO DEIXAR O TEMPO PASSAR POR MIM, porque aí ele vai te tomar de assalto e te olhar nos olhos e te dizem bem assim O QUÊ?.

eu acho que a gente precisa o tempo inteiro se permitir. Porque quando a gente se permite brotar, nasce uma flor. E tem coisa mais bonita que uma flor nascendo?
Uma vez eu ouvi minha mãe dizendo pra uma amiga minha, que não gosta de vegetais, que ela também não gostava. Mas que depois de um tempo percebeu que a gente precisa amadurecer a coisa na gente (e a gente também) pra deixar ela causar na gente o que quer que ela precise causar.

E serafina certa vez falou, no meio do frio da sibéria, que se usasse roupas perderia milhares de sensações, inclusive o frio.

e eu penso que nossa, eu não gosto de goiabas. Mas é só eu ver suco de goiaba que eu tomo, porque eu gosto de beber aquilo e deixar a goiaba ser goiaba em mim, porque é só em mim que ela é goiaba. Fora de mim ela pode se sentir uma maçã ou uma melancia, mas tem a obrigação mental de ser goiaba comigo.

e eu penso que é preciso que você me aceite, porque a gente precisa deixar o tempo inteiro que o outro cause na gente, até que ele se esgote. Mas isso pode soar estranho, já que eu mesma não aceito muita gente em mim. Mas é que eles se esgotaram antes mesmo de eu permiti-los. Ou é que eu não sigo meus próprios conselhos.

Mas é pedir demais pedir isso, ou é só uma questão social de quem tem mais habilidade de convencer o outro? (porque é aí que a gente vai convencer a nós mesmos)Eu não quero convencer ninguém a nada, eu só quero que me reconheçam como Rayssa, aquela lá que não gosta de goiabas, em vez de pensarem em mim como rayssa, aquele zumbi influenciável que passa os domingos se divertindo na nigth, porque a segunda vem aí e é terrível e porque, oh meu deus!, todo mundo faz isso em vez de se trancar em casa. Ostracismo, e tenho dito.

Eu gosto de segundas feiras, porque estar afogada com os outros me traz a sensação de que alguém consegue ficar comigo e que mais alguém passa pelo que eu passo. Porque achar as coisas sozinho é a pior solidão que tem.

Não que eu goste de me enfiar na merda desse bando de gente, mas os salva-vidas não mergulham também? Não que eu tenha vindo para salvar alguém, ó missão extraordinária. Mas assim como a goiaba, eu só posso me mostrar como rayssa quando me aceitam e me engolem, e me deixam nascer flor.

e isso me faz pensar em caroços de melancia. Porque se me cuspirem na pia, eu não estarei em solo fértil e não poderei brotar.
mas eu prefiro pensar em mim como aquelas sementes que entram voando na garagem vermelha, quando o sol passa por entre as grades do teto solar e a gente criança fica pulando tentando alcançar.

ou quem sabe aquelas que a gente sopra bem forte e se desfazem em uma nuvem que cai len-ta-men-te.

mas acho que eu queria mesmo ser flor, se você deixar.