sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Eu tenho um medo das palavras não alcançarem o tom que eu desejo, sabe? Então fico dizendo o que eu queria dizer com o que eu disse. Depois me lembro que as palavras dizem o que elas querem dizer. No fim nós somos só um instrumento delas, um instrumento que acha que pode contê-las. Mas é arrebatado pela força que elas têm.

Eu costumo falar sozinha, também. Em voz alta. Ajuda as palavras a circularem, a saírem. Eu passo muito tempo do meu dia sozinha. Quando eu passo muito tempo sem ficar um tempo sozinha, parece que eu entro em parafuso. Começo a ficar muito cansada, com dor de cabeça, e meio mal humorada. Parece que as pessoas me consomem, sabe?
Não que eu não goste delas. Adoro. Adoro sentar e ter uma boa conversa. Sinto que poderia ficar sentada tendo uma boa conversa até sei lá, sem comer ou qualquer outra coisa. Ignorando o sono, o frio ou qualquer outro desejo menor. Não há, em verdade vos digo, nada melhor que um bom papo.
O que é bem parecido com escrever. Eu saio escrevendo e escrevendo e escrevendo e quando eu vejo já tenho páginas e páginas sem fim e me pergunto, quem, diabos, quereria ler essa porra toda?

De vez em quando eu fico rouca no fim do dia. De vez em quando não, isso é extraordinariamente comum. Eu costumo ficar rouca no fim do dia. Gosto de pensar que eu tenho uma quota diária de palavras. Mas sou tão tagarela que ultrapasso. Fico rouquinha mesmo, completamente sem voz. Não consigo falar paralelepípedo sem pausar 3 vezes, porque a voz não se ouve mais.

Mas o negócio não era esse. É que costumo falar sozinha. Ando pela rua falando. De vez enquanto alguém passa por mim e me olha com cara de quem está olhando pra uma louca e eu fico com um pouco de vergonha. Então passo a falar baixinho. Mas em casa eu fico andando pela casa e conversando. Porque é como se eu falasse e respondesse, sabe? E É involuntário. É como se eu fosse várias pessoa conversando, e estivesse sei lá, conversando. Então eu converso, fazer o quê.

É que minha cabeça é um vulcão de lava borbulhante. As idéias e coisas ficam indo e vindo. Eu não consigo ficar sem falar. Eu gostaria de ter um gravador pra gravar tudo o que eu penso, mas tenho medo de gravadores. E aí eu chego pra escrever o que eu falei o dia inteiro e parece que as palavras se esconderam e não consigo encontrar as iguais, então a idéia se esgarça e eu deixo pra lá.
Às vezes eu penso em dizer e me orgulhar de dizer que se eu não pudesse falar e escrever, então eu morreria. Consigo suportar a idéia de não ver mais, a idéia de não ouvir. Apesar de me doerem, porque é uma mácula ao meu corpo-invólucro-sagrado, nenhuma delas é tão terrível quanto perder a capacidade de controlar minhas mãos. Pra escrever. Pra fazer minhas caixinhas. Pra falar pelos sinais. As mãos são o instrumento da fala, não só a boca. A boca só faz uma parte. Mas se eu tiver a boca e não as mãos, você diria, posso até arranjar quem escreva pra mim. Ah, mas eu não acho que essa idéia de ditar dê certo, já tentei. Como é que eu vou dizer “não, e AQUI eu quero um ponto, ali um ponto e vírgula”? Não é o mesmo. Só eu sei me pontuar, só eu sei olhar o texto e riscar a palavra certa na hora certa, porque a palavra saiu de mim. O impulso elétrico palavra veio de dentro de mim.
Mas desde que eu li que Van Gogh falou que o pintor só é um bom pintor se, no momento em que não puder mais pintar, (morre) ali acabou sua existência; desde então eu não quero mais pensar assim. Porque foi isso que traduziu meu pensamento em palavras, sabe? A Maria Bethânia comparando com o escritor e eu pensei, nossa, é isso.

(Abrindo um parênteses, adoro quando os textos falam e você para e pensa “nossa”, no máximo um “nossa, é isso”, se você ainda conseguir articular palavras. Porque os bons textos, eles são assim. Arrebatadores (é essa a palavra certa). Porque eles entram como uma onda gigantesca, um tsnunami. Eles entram na sua cabeça e varrem tudo, tempestuosos. Levam embora qualquer possibilidade de vida, mas vêm com ventos que largam sementes. E depois, naquela terra seca e morta, quando você já chorou e se desesperou porque nada mais pode ser tão certo, depois você repara nas sementes. (essa hora agora me lembrou o seu Chico Xavier, que disse que ninguém pode voltar atrás e fazer um novo começo, mas todos podem começar novamente e fazer um novo fim)mas então, você repara nas sementes e pensa exatamente aquilo. E aí um mundo novo cresce mais rápido do que cresceu a floresta de flores púrpuras e lindas, que Bastian Baltazar Bux fez, na história sem Fim. Mais rápido do que Aslam fez crescer Nárnia. De fato, como se tudo estivesse crescendo com uma música, uma toada forte e brava. E aí o mundo novo é grande e forte, pra você poder ler algo genial outra vez.
Repare nisso, nunca leia essas coisas importantes uma atrás da outra. Porque você vai ficar arrasado. Porque se no primeiro já não sobra nada, o segundo há de te deixar em carne viva. O terceiro arranca seu coração e o entrega, suavemente, nas suas mãos. Louco, você o despedaçaria. Não, é preciso muito cuidado com as palavras, elas fazem muito mais que simplesmente dizer.
E é claro, existem aqueles que de cara já estraçalham tudo, arrancam seu coração e os quebram eles mesmos. Esses são bons demais pra ficarem nas estantes, arrasadores.

Eu devia escrever um guia de leitura para que principiantes não se percam. Um dia hei de fazer isso. Por hora, fecho meu parênteses)

Então, voltando. Mas me incomoda pensar que isso se aplica a mim, porque aí eu estaria me comparando a qualquer escritor realmente bom e isso é muito megalomaníaco.
E uma vez eu li em algum lugar que maluco que é maluco não fala que é maluco. Então pensei em como as minhas amigas de infância que escrever que são “muito loucas” no perfil do Orkut são normais demais. Aí decidi aplicar isso na minha vida. Não gosto de falar o que eu sou, porque senão eu não seria. E não gosto de falar que sou uma boa escritora, porque não sou. Mas um dia quero ser uma daquelas dos textos estraçalhadores. E quando isso acontecer, talvez eu saiba. Talvez eu nunca venha a descobrir, e continue tentando melhorar. Talvez sorria e dia, alô, iniludível.

O meu dia foi bom, pode a noite descer.
(a noite com seus sortilégios)
Encontrará lavrado o campo,
a casa limpa, a mesa posta
Com cada coisa em seu lugar.

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